25 de nov. de 2015

Lambe-Lambes: a máquina tripé, o laboratório ambulante


Desenho sobre fotógrafo Lambe Lambe.
Autor: s/r
Arquivo: Jornal Traca e Gamela - aparecida (SP)
Organização: Jornalista João Bosco Garcia.

O ferrótipo[1], técnica de fixação de imagem fotográfica desenvolvida em 1853, impulsionou o desenvolvimento do ofício do fotógrafo ambulante – ou como ficou conhecido no Brasil: Lambe-Lambe[2]- na Europa da segunda metade do século XIX. De acordo com Águeda (2008), o ferrótipo, em comparação com a Daguerreotipia[3] e com o colódio úmido, aumentou a rapidez com a qual se captava a imagem, gerando um barateamento no procedimento técnico.  

Uma das primeiras referências sobre a atuação destes profissionais nos remete ao aparecimento dos fotógrafos ambulantes nas festas e feiras populares europeias, espaços onde a fotografia revelava a grande amplitude dos usos e das funções sociais da imagem técnica. Desde os seus primeiros processos desenvolvidos, a fotografia sempre participou das tradicionais festas populares. (ÁGUEDA, 2008, p. 65)

No Brasil, estes fotógrafos e suas máquinas caixote, surgem predominantemente no início do século XX. As praças e outros espaços públicos de grande fluxo de pessoas, tal como na Europa, transformam-se em seus respectivos espaços de trabalho por excelência[4].


Historicamente esses profissionais de praças e jardins promoveram uma democratização do retrato ao prestarem um trabalho consideravelmente mais barato que os estúdios. Os primeiros fotógrafos ambulantes a atuar no Brasil eram em sua maioria imigrantes, assim como a origem de suas máquinas fotográficas[5].


Diagrama das máquinas utilizadas pelos fotógrafos Lambe-Lambes. Por:  FRÓES, Leonardo. Lambe-lambe. Rio de Janeiro: Secretaria Estadual de Cultura, 1978.
Fonte: http://fotografoslambelambes.blogspot.com.br
Organização: Abílio Águeda

É com o italiano Francisco Bernardi, em 1913, que estas máquinas caixote chegam ao Brasil, quando de sua vinda de Bolonha, fixando primeiro em São Paulo e posteriormente no Rio de Janeiro. Sua máquina consistia em um caixote de madeira em formato de cubo, com uma lente adaptada em uma de suas faces, em seu interior, dois compartimentos funcionavam como tanques para revelação e fixação das fotografias, externamente, acoplado à máquina, havia um pano preto que tinha como função proteger da luz do sol o interior da câmera – como descreve Águeda (2008). 
A disposição destes anteparos possibilitou aos fotógrafos o manuseio dos negativos no interior da câmera, em uma espécie de minilaboratório fotográfico, realizando a revelação e ampliação da pose. Isso tornava o processo mais rápido e menos oneroso – o que refletia consequentemente no preço da fotografia para o cliente – assim como lhe permitia trabalhar em áreas abertas, em uma verdadeira exposição do trabalho ao público. A partir dessa característica da fotografia Lambe-Lambe, percebe-se a grande concentração desse profissional em cidades do interior, principalmente as de romarias, formando um público sazonal, ansioso por registro de um momento único e consagrado.




[1] De acordo com Águeda (2008, p.65), esse processo consistia em utilizar chapas finíssimas de metal com aplicação de uma fina camada de verniz ou esmalte escura, servindo de base para a emulsão fotográfica. Obtendo-se uma imagem fotográfica em positivo direto, sem negativo. Sobre a técnica: ler texto de Gabrielle Igreja: The tintype. In:  http://www.gri.it/old_GRI/storia/ferrotip.htm Todo o processo de fotografia em ferrotipia pode ser visto nesse vídeo de 2011 do InternationalMuseumofPhotographandFilm – George Eastman House: https://focalfixa.wordpress.com/2012/03/28/voce-sabe-o-que-e-ferrotipia/
[2]Sobre o termo Lambe- Lambe, Rubens Fernandes Junior (2009) “(...)Ao que tudo indica, o nome lambe-lambe foi sugerido por um gesto bastante incomum no exercício da profissão, isto é, o teste que se faz para verificar de que lado está a emulsão de uma chapa, filme ou papel sensível. Para evitar o erro de colocar a chapa com a emulsão voltada para o fundo do chassis o que deixaria fora do plano focal e portanto com falta de nitidez, costumava-se, não só o fotógrafo lambe-lambe, mas como qualquer outro fotógrafo que utilizava câmeras de grande formato, molhar com saliva a ponta do indicador e do polegar e fazer pressão com esses dois dedos sobre a superfície do material sensível num dos cantos para evitar manchas. O lado em que estiver a emulsão será identificado ao produzir uma leve impressão de ‘colagem’ no dedo”.
[3]A origem deste tipo de registro imagético remete a um período áureo na França, de ascensão de uma sociedade burguesa exaltada por um ímpeto nacionalista e positivista. É a França de Nicéphore Niépce, um químico que se dedicou a experiências com sais de prata e alguns objetos como folhas e flores secas, que colocadas sob papel e expostas a luz solar, gravavam o seu contorno em preto sobre o branco. Porém a instabilidade de fixação o levou a testar outros materiais. Todavia, é a continuidade de seus estudos realizados por Louis Jacques Mande Daguerre, que acabou caindo em domínio público. Os daguerreótipos correspondiam a imagens únicas, fixadas em placas de cobre, que, após longo processo químico para sua fixação, era protegido por vidro e acondicionado em belos estojos ornamentados. Em agosto de 1839, François Arago, astrônomo e membro do Parlamento francês, anunciou na Academia de Ciências e de Belas Artes da França, a recente descoberta de seus compatriotas. Por razões políticas e comerciais, o novo invento rapidamente despertou o interesse público, possibilitando o investimento em pesquisa de aprimoramento técnico, de modo a reduzir o tempo de exposição da foto e aumentar a sua viabilidade econômica.
[4] Sobre a presença da fotografia no Brasil, Kossoy (1993, p.15), afirma que a descoberta da fotografia representou um marco decisivo na história do saber. Porém, as possibilidades de multiplicação de imagens, já vinham dos estudos da litografia na passagem do século XVIII para o XIX. Esta técnica de reprodução de imagens, mesmo antes de se alastrar por completo na Europa, chegou ao Brasil, presume-se em 1817, trazida pelo artista francês Arnaud Julien Pallière. Em terras brasileiras, esta técnica de produção/ reprodução de imagens ocupou um espaço antes dominado pelas imagens xilográficas e pela gravura em metal. A litografia praticamente ampliou o volume de circulação de imagens no Brasil nas décadas iniciais do século XIX, fazendo com que o uso da fotografia, quando disseminado no país a partir das décadas de 1850/1860, encontrasse um campo já devidamente estruturado por imagens que se espalhavam pelo cotidiano brasileiro, sobretudo àquele pertencente a uma elite branca. A técnica litográfica era então aplicada em rótulos de produtos, cartazes, jornais e revistas ilustrados, paisagens avulsas, em álbuns e retratos, entre outros, universo que a fotografia ampliará ainda mais.
[5] Segundo Franco (2004, p. 9), “Esses fotógrafos vinham da Europa já com a técnica de se fotografar e de se revelar fotografias ao ar livre, se estabelecendo, prioritariamente, no Rio de Janeiro e na região portuária do estado de São Paulo, e se interiorizando com a chegada das ferrovias”.

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